Solomon , de Carlos Pedro.

Se este gato nos parece frágil e zarolho, ele vê mais além do que o que nós conseguimos ver. Solomon, felino preto de ar frágil e sem um olho vigia a cidade contra ameaças vindas de outros mundos. É piamente alimentado por um jovem estivador das docas de pesca. Este segue, indeciso, com uma vida a que ainda não sabe como tomar as rédeas. Ao encontrar um misterioso cristal numa rede de pesca irá mergulhar numa profunda alucinação onde vê sua a cidade ser invadida por uma monstruosa criatura tentacular. Mas não será o herói.

Esse é o papel do pequeno gato, cujo olho cicatrizado revela que vive em dois mundos. E se num aparenta ser uma pobre criatura escanzelada, noutro domina, portentoso, e esse poder transmite-se às legiões de gatos que pululam por entre becos e vielas.

Ameaças de monstros tentaculares não têm muitas hipóteses contra legiões de gatos esfomeados. Carlos Pedro não nos mostra isto, mas após a derrota poder-se-ia ouvir o longo ronronar de barriga cheia na cidade.

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Solomon lê-se mais como exercício de estilo do que obra narrativa. Está lá uma história, curta, nem sempre clara, mas depressa se torna aparente que o gosto, o gozo, o divertimento do livro está na sobrecarga visual estilizada. É nestes momentos que o livro se abre e ganha novas dimensões.

O grafismo é interessante, com uma fortíssima influência de mangá que no entanto se nota estar a evoluir para um estilo visual próprio do autor. Já o gato, o fio condutor de toda a acção, oscila entre um simpático felino frágil e um portentoso Kurika. Fez-me lembrar uma das capas do livro de Henrique Galvão, metáfora do colonialismo português do século XX e do esmagamento da liberdade no Estado Novo.

É centrado neste felino que estão as imagens mais icónicas, como a do gato-leão numa névoa de forças. Ou, a que mais me intriga, a do frágil felino que se esgueira através de uma brecha numa parede e vai adormecer sob o céu estrelado de um outro mundo paralelo ao nosso.

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Está em preparação uma nova versão deste exercício visual, desta vez a cores. Pelo que o autor tem mostrado online o estilismo promete ir ainda mais além desta primeira edição. Será, certamente, um belíssimo portefólio narrativo das capacidades gráficas do ilustrador da série Elephantmen da Image.

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