Saga Volume Três, de Brian K. Vaughan e Fiona Staples

O terceiro volume de Saga representa um dilema critico. Como analisar uma história que vai sensivelmente a meio? O primeiro impacto já lá vai, e resumir os eventos do volume é redutor pasto para spoilers. Podemos sublinhar o impacto crítico desta série que está a marcar fãs e a crítica, ou talvez arriscar e olhar para alguns detalhes interessantes.

O sucesso de Saga assenta na ironia pós-moderna como desconstrói os pressupostos e estruturas narrativas da fantasia e ficção científica com um humor corrosivo. É um tom que foi estabelecido logo no arranque e que os autores têm sabido manter ao longo da série. Quando pegamos numa obra de ficção científica, fantasia ou dos seus sub-géneros, sabemos que há pressupostos que irão balizar as narrativas. Se os personagens usam varinhas mágicas e invocam encantamentos, sabemos que dificilmente estaremos perante uma space opera cheia de naves espaciais. É precisamente essa colisão de expectativas que Brian K. Vaughan tem sabido gerir com mestria nesta revisão intergaláctica do que seria Romeu e Julieta se estes resistissem ao ardil suicida, tivessem um filho e passassem a vida a fugir de Montecchios e Capulettos pelas ilhotas da laguna de Veneza. Ah, perdoem-me. É filha e não filho. Sendo que até nisto, um Marko pacifista e uma aguerrida Alana invertem pressupostos narrativos milenares (a estrutura de Romeu e Julieta replica um antigo mito romano).

Saga não se resume a este aspecto, claro. É, antes de mais, uma boa e divertida história de aventuras e tropelias pela galáxia fora. Para além da desconstrução de expectativas de géneros literários, assenta ainda numa fortíssima componente de contemporaneidade. O imediatismo das notícias instantâneas, os conflitos permanentes em que o século XXI vive mergulhado, as relações de poder mediadas por patriotismos militantes intervencionistas, as culturas de propaganda com meios de comunicação acríticos perante o poder, o fascínio mórbido com a violência mediada pela tecnologia. Os personagens de Saga são em larga medida icónicos, replicando na lente distorcida deste mundo ficcional tipologias de personalidade com que nos cruzamos diariamente na realidade sórdida dos media ou no escapismo das ficções.

Os detalhes contam, e é neles que a série se enriquece. Correndo o risco de entrar no campo de spoilers, arrisco destacar alguns. Como o reinício de sistema quando o príncipe Robot IV é abatido. Hilariante, uma intrusão de IT Crowd em Saga, com os todo-poderosos andróides também a sofrer dos malditos ecrãs azuis da morte. A crítica corrosiva inerente à sua revolta quando o apelidam de drone, comentário amargo sobre o fascínio despertado por esta tecnologia de morte automatizada. A surpresa quando o escritor de romances pulp que inspira o romance inter-espécies se revela mais profundo do que o esperado, a espelhar as atitudes de fãs quando encontram incongruências entre a personalidade dos seus autores favoritos e imagem mental que têm deles. O artifício de como convencer alguém a fazer por sua vontade algo que vai contra a sua vontade através de um jogo de ego. Ter como um dos cenários um ecossistema planetário que se defende de invasores através de biologia assassina. É preciso conhecer bem a FC para ir buscar este conceito usado nalguns romances e comics. A banal normalidade suburbana de classe média convencional é tão sufocante no futuro imaginário como no nosso dia a dia. Aniquilar edifícios inteiros de órbita por causa de uma ameaça menor é uma metáfora óbvia da drone warfare e militarismo assente no poderio aéreo que delicia os meios de comunicação. A genialidade dolorosa da frase cambada de acidentes de preservativo, provavelmente um dos melhores insultos de sempre.

Hazel, a bebé, vai crescendo sob o olhar vigilante de Alana e Marko, em fuga pela galáxia, perseguidos por aqueles que se apercebem do perigo para a ordem estabelecida assente numa guerra sem fim que representa este casal. Saga está sensivelmente a meio, sem perder fôlego nem acutilância, prometendo mais aventuras, inversões de expectativa e crítica ao mundo contemporâneo. Uma história que graças à G.Floy o público português poderá acompanhar até ao final.


Saga Volume Três

Autores: Brian K. Vaughan, Fiona Staples
Editora: G.Floy Studio
Páginas:152, capa dura.
PVP: 15,00 €


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