Fatale Volume 3: A Oeste do Inferno, de Ed Brubaker e Sean Phillips

Esta série foi uma das grandes surpresas editoriais de 2012 vindas da Image. Ed Brubaker e Sean Phillips, a dupla por detrás da série, firmou a sua merecida fama no meio com as séries Criminal, uma brilhante revisão do policial noir, e Incognito, uma mistura de pulp clássico com super-heróis. Rotulados como mestres do comic policial, ao qual regressaram com a série The Fade Out, correntemente a ser publicada pela Image Comics, surpreenderam por completo os seus fãs com Fatale pela fuga das premissas do policial em direcção ao terror lovecraftiano.

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O policial noir clássico, com as suas mulheres fatais e homens que por elas são capazes dos piores crimes, forma o cerne desta série. Os criadores podem ter ido além dos seus territórios ficcionais habituais, mas não navegam muito longe deles. Diversos arcos de Fatale são policial puro, histórias de crime e castigo com intrusão mínima de elementos sobrenaturais. O que a destaca, no entanto, é a forma como colidiram as estruturas narrativas das histórias criminais com uma vertente muito especial do terror. É enorme a vénia a H. P. Lovecraft, o misógino e reclusivo escritor de Providence que nos legou contos de linguagem barroca em que explora um universo ficcional muito próprio, com forças e seres para lá da compreensão humana. Legou-nos o horror cósmico das horrendas e intemporais criaturas tentaculares do além-espaço numa obra que ia ficando esquecida mas se revelou uma das mais influentes nas abordagens contemporâneas ao horror na literatura, banda desenhada e cinema. O trabalho incansável de escritores seus contemporâneos, especialmente August Derleth e Robert Bloch, na reedição dos contos através da editora Arkham House e expansão do universo ficcional  do autor no que se veio a tornar os Cthulhu Mythos, combinado com o interesse académico liderado pelo crítico especialista S.T. Joshi, garantiu que hoje Lovecraft seja uma figura incontornável da literatura de terror e seja, a par com J.G. Ballard ou Heinlein, um daqueles raros escritores cujo apelido se tornou sinónimo de toda uma estética.

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O terror lovecraftiano incide na figura de Josephine, a mulher fatal de Fatale, que reúne na sua imagem a iconografia clássica das mulheres fatais na ficção policial. Bela, atraente, exerce sobre os homens um fascínio impossível que se traduz num domínio que os leva à loucura. Raros são aqueles que são imunes ao seu encanto. Mas o fascínio que desperta não lhe é benéfico, antes, é uma maldição advinda do mistério sobre que tipo de criatura realmente será. Um segredo que Jo desconhece mas investiga, e que está no cerne de uma organização obscura de criaturas tentaculares que se apropriam de corpos humanos, cujos clones lhe dão uma caça implacável. Estes sabem que Jo é a pedra de charneira de um puzzle ritual, cujo sacrifício permitirá a invocação bem sucedida de horrores do além espaço. Se serão bem sucedidos ou não, se Jo se libertará da maldição sob a qual nasceu, se há redenção para os homens transtornados pelo carisma desta mulher verdadeiramente fatal, é algo que terão de esperar pela conclusão da série para descobrir.

As histórias coligidas neste volume terceiro de Fatale, A Oeste do Inferno, mostram um dos momentos mais interessantes da série. Neste arco, Brubaker e Phillips afastam-se do registo de policial com elementos de terror que caracterizou os arcos anteriores, e irá caracterizar os restantes. Procuram aprofundar o personagem, mostrando-nos outras encarnações da mítica mulher fatal, sempre vítimas quer do poder que exercem sobre os homens quer daqueles que lhes dão caça. As florestas da Europa medieval serão o refúgio amargo de uma destas mulheres, e as terras selvagens do Velho Oeste um local de embate entre caçadores de mistérios e seitas malévolas que envolverá a antecessora directa de Jo. A abrir e a fechar o livro, duas histórias que atam pontas soltas na continuidade de Fatale. A que o encerra leva-nos às profundezas da Transilvânia durante a II Guerra Mundial, lidando com criaturas piores do que vampiros. Deixo a melhor para o fim, a que inicia este volume, uma homenagem sincera à literatura de terror pulp clássica focada num escritor de contos de terror para revistas que conhece o segredo por detrás de criaturas como Josephine. Para quem, como eu, conhece e adora a obra de Lovecraft, a vénia que esta história faz ao escritor é especialmente admirável. A imagem de um escritor de contos pulp que vive numa mansão solitária nas pradarias do Texas com uma criatura híbrida ectoplásmica que foi em tempos a sua mãe não engana ninguém como retrato do escritor de Providence.

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Parte do deslumbre da série está no traço de Sean Phillips, tão à vontade nas profundezas do horror como na carnalidade sensual ou na decadência criminal. Sempre que o nome do ilustrador surge associado ao do argumentista, sabemos que estamos perante livros prometedores, de argumento intrigante e visualmente deslumbrantes.

Dado o panorama da edição de comics em Portugal, que quando existe prefere olhar mais para o divertido mas banal género dos super-heróis, nunca imaginei que uma série como Fatale viesse alguma vez a ser para cá traduzida e editada. Refira-se que nisso a G.Floy tem sido exemplar, legando-nos séries marcantes e de elevada qualidade que mostram que os comics são muito mais do que homens e mulheres de capa e uniforme favorecedor de anatomias capazes de voar ou disparar raios com partes do corpo. Os títulos já lançados Fell, Chew, Saga, e os lançamentos que a editora está a preparar trazem-nos algumas das melhores séries da Image, editora americana que se afasta muito da rotina da Marvel e DC como banda desenhada aclamada pela crítica. Refira-se esta tem sido a editora de comics que mais tem apostado na Ficção Científica. Pergunto-me se a G.Floy terá planos para editar títulos do calibre do surrealismo de Prophet, da modernidade de Injection e Lazarus, da hard SF de Faster Than Light e Trees ou a ficção científica weird de Manhattan Projects, entre outros que a Image tem lançado dentro do género. Daqui poderia sair uma longa conversa sobre mercados, públicos e edição de géneros em Portugal, mas este não é o espaço para isso.

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Fatale Volume 3: A Oeste do Inferno

Autores: Ed Brubaker, Sean Phillips.

Editora: G.Floy Studio
Páginas:112, capa dura.
PVP: 9,99 €[/box]


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